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DIREITOS DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL
Princípios Orientadores
» Aos direitos da vítima de crime deve ser dada a mesma prioridade que aos do arguido;
» O processo adoptado para lidar com o autor do crime não deverá agravar a vulnerabilidade da vítima nem criar-lhe problemas adicionais.
A vítima tem direito:
» ao respeito e reconhecimento em todas as fases do processo penal;
» a receber informações e esclarecimentos sobre o decurso do processo penal;
» a fornecer informações às autoridades responsáveis pela tomada de decisões relativamente ao infractor;
» a acesso a aconselhamento jurídico, independentemente da sua situação económica;
» à protecção, tanto da sua privacidade como da sua integridade física;
» a indemnização, quer pelo arguido, quer pelo Estado.
Declaração de Princípios
a) Aos direitos da vítima de crime deve ser dada a mesma prioridade que aos do autor do crime.
b) Para acautelar os interesses da vítima, todos os intervenientes no processo penal devem assegurar que o procedimento adoptado para lidar com o autor do crime não agravará a vulnerabilidade da vítima nem a conduzirá a uma “vitimação secundária”.
c) A experiência profissional no âmbito das organizações de Apoio à Vítima, bem como estudos recentemente realizados, têm amplamente demonstrado que o crime pode ter consequências nefastas a longo prazo, tanto para a vítima como para a sua família, não só ao nível do seu bem-estar físico, económico e emocional, mas também das suas atitudes para com a sociedade em geral e para com as autoridades do sistema de justiça penal em particular. Um tratamento pouco esclarecido ou insensível da parte das autoridades policiais e judiciais, ou de profissionais individualmente considerados no âmbito do processo penal, tende a agravar ou a prolongar tais efeitos negativos. Pelo contrário, as vítimas que obtêm um adequado reconhecimento e respeito são mais capazes para desenvolver uma atitude positiva e mais ajustada face à sua experiência do crime e para o compreender no seu contexto próprio, sentindo-se reconfortadas pela manifestação de solidariedade no seio da sua comunidade. A protecção contra a “vitimação secundária” é tão importante como a protecção contra o crime original, sobretudo porque o poder para conferir tal protecção depende das autoridades.
d) O crime, e o receio da sua ocorrência, afecta não apenas as pessoas directamente envolvidas mas também todos aqueles que tomam conhecimento dos factos pelo contacto directo com a vítima ou através dos órgãos de comunicação social. A ocorrência da “vitimação secundária” no âmbito do processo penal pode afectar a confiança das vítimas no sistema judicial, levando à diminuição da cooperação por parte destas. A adopção de procedimentos tendentes a reconhecer a posição da vítima e a evitar a “vitimação secundária” deve, deste modo, ser tomada como essencial à solidariedade social e aos interesses da justiça tal como são geralmente entendidos. Acautelar os direitos da vítima é, assim, indispensável ao bem-estar da sociedade no seu todo.
e) Na Europa, o Estado tem assumido a responsabilidade da instauração da acção penal contra os autores dos crimes, retirando à vítima o ónus da responsabilidade pela prossecução de qualquer medida a tomar relativamente ao autor do crime. A aceitação desta responsabilidade por parte do Estado deve ser reconhecida como um direito fundamental da vítima de crime, e não deverão ser admitidas quaisquer tentativas para alterar esta situação, devolvendo esta responsabilidade às vítimas.
f) Deve, porém, ser reconhecido que o retirar daquela responsabilidade à vítima pode ter também consequências negativas, nomeadamente a de à vítima poder ser negada a oportunidade de se proteger do delinquente, de obter uma reparação justa ou de ser plenamente informada acerca dos procedimentos aplicáveis ao seu caso, como sejam a aplicação da lei ou os factores tidos em conta nas tomadas de decisão. Devem ser adoptadas medidas com o objectivo de garantir a protecção dos interesses da vítima e de assegurar que todas as partes com um interesse legítimo no caso considerem que a justiça está a ser feita.
g) Compete ao Estado garantir que sejam adoptadas as medidas adequadas, podendo, todavia, existir diferentes soluções envolvendo, por exemplo, as organizações de apoio às vítimas, as autoridades policiais e judiciais ou o autor do crime.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL
1. Respeito e reconhecimento
a) A vítima tem direito a ser respeitada e reconhecida enquanto titular de interesses legítimos que devem ser tidos em conta em todas as fases do procedimento criminal.
b) Em todas as fases de investigação e nas audiências judiciais, o interrogatório das vítimas e outras testemunhas deve ser conduzido com respeito pela sua dignidade pessoal. Devem ser adoptadas especiais precauções relativamente a crianças ou a testemunhas com perturbações do foro psiquiátrico, as quais deverão ser sempre interrogadas na presença de um dos pais, tutor ou pessoa da sua confiança.
2. Direito de receber informação
a) Aquando da participação de um crime, deve ser garantido a todas as vítimas o direito de optarem por um procedimento que lhes permita manterem-se informadas acerca de todos os desenvolvimentos do caso - por exemplo, captura do autor do crime, decisão sobre a acusação, datas das audiências, medidas de coacção aplicadas e subsequentes alterações e decisões judiciais finais. A informação fornecida às vítimas deve ser clara e completa, de modo a habilitá-las a optar entre manterem-se ou não informadas, em qualquer fase do processo.
b) Para as vítimas que pretendam manter-se informadas do decurso do processo penal, deve ser-lhes prestada toda a informação no mais curto espaço de tempo, com explicações completas e claras acerca das decisões tomadas, os seus fundamentos e, quando relevante, os aspectos jurídicos que hajam sido tomados em conta. As vítimas devem ter o direito de consultar o processo, quando o solicitem. Tanto quanto possível, a informação deve ser prestada pela autoridade responsável pela decisão, uma vez que é quem melhor poderá elucidar a vítima de forma completa e esclarecida quanto aos fundamentos da decisão. Em todos os casos em que seja de esperar particular reacção por parte da vítima - como, por exemplo, nas decisões de arquivamento ou redução da acusação nos casos de roubo, crimes sexuais, violência doméstica ou qualquer forma de assédio - deve ser-lhe concedida a oportunidade de uma entrevista pessoal que lhe permita uma compreensão plena da decisão tomada.
3. Direito de fornecer informação
Frequentemente, as vítimas sentem que dispõem de informação que é ignorada pelas autoridades, por não constituir propriamente um elemento essencial de prova do crime. Este problema poderá ter menos relevância em sistemas de justiça onde vigore o princípio do inquisitório. Todos os sistemas judiciais devem reconhecer às vítimas o direito de fornecer informação directamente, e pelas suas próprias palavras, às autoridades policiais e judiciais responsáveis pela tomada de decisões. Tal informação poderá ser relativa à extensão dos danos económicos, físicos ou emocionais sofridos em consequência do crime, à existência ou não de qualquer relacionamento anterior ou actual com o autor do crime, bem como a eventuais receios pela segurança pessoal ou de intimidação por parte daquele. A vítima deve poder fornecer qualquer informação que deseje, devendo ter contudo consciência de que tal informação será comunicada ao arguido, podendo ser contraditada, se for caso disso. As declarações da vítima de crime devem ter por finalidade:
» garantir que a vítima tem o direito a ser ouvida;
» prestar a informação necessária à atribuição de qualquer indemnização;
» alertar as autoridades para os riscos que a vítima corre em caso de levantamento de qualquer medida privativa de liberdade;
» possibilitar que os profissionais envolvidos tenham em conta os interesses da vítima sempre que o interesse público possa ser relevante para a decisão;
» informar o Ministério Público acerca de todas as implicações do caso, alertando-o, assim, para a eventual ocorrência de uma “vitimação secundária” durante o processo penal, quer antes, quer depois do julgamento;
» facultar ao Ministério Público informação que possa ser utilizada para contrariar a argumentação da defesa;
» possibilitar que o Ministério Público transmita ao Tribunal informação adicional relevante - por exemplo, antes de ser proferida a sentença.
4. Protecção Jurídica
Todas as vítimas devem ter acesso a aconselhamento jurídico, independentemente da sua condição económica. Nos sistemas jurídicos em que a vítima ou os seus familiares podem desempenhar um papel activo no processo penal, tanto o aconselhamento jurídico como o patrocínio judiciário devem estar disponíveis durante todo o processo.
5. Protecção
a) De acordo com os princípios fundamentais da Justiça, deve ser protegida a privacidade da vítima, bem como de outras testemunhas. Os nomes das vítimas não devem ser divulgados nos órgãos de comunicação social e quaisquer pormenores que possam permitir a sua identificação devem ser omitidos. As moradas da vítima e de outras testemunhas não devem estar acessíveis ao arguido, nem ser lidas em voz alta em Tribunal, salvo se se revestirem de especial relevância para o caso.
b) Medidas especiais devem ser tomadas relativamente a crianças e outras testemunhas vulneráveis, por forma a que o seu testemunho não seja prestado na presença do arguido, nem divulgado publicamente (por exemplo, recorrendo à ocultação da testemunha, à teleconferência ou à gravação antecipada do depoimento). A decisão sobre a forma de produção da prova deve ser tomada antes da audiência, com base na opinião de peritos qualificados.
c) Sempre que existam razões para crer que a vítima ou outras testemunhas possam estar sujeitas a novas ameaças, a actos de violência ou perseguição, devem ser tomadas todas as medidas possíveis para o evitar e lhes garantir a devida protecção. Devem ser plenamente utilizados todos os recursos tecnológicos disponíveis - por exemplo, através da instalação de alarmes pessoais com ligação directa às forças policiais mais próximas e inclusão dos mesmos na lista de resposta prioritária - devendo ser afectados recursos adicionais para este fim.
d) Sempre que, nas disposições relativas à aplicação de medidas de coacção, de medidas não privativas da liberdade ou de liberdade condicional, seja adequado e possível, devem ao arguido ou pessoa condenada ser impostas medidas limitativas do seu contacto com a vítima ou testemunhas. A vítima deve ser sempre informada de todos os detalhes relativos a estas medidas e esclarecida quanto aos procedimentos a adoptar caso não sejam cumpridas.
e) No decurso da investigação, as autoridades policiais devem dar prioridade à protecção da vítima e adoptar procedimentos - por exemplo, em relação a visitas domiciliárias ou a formas de identificação - que evitem a identificação das testemunhas por parte do autor do crime.
6. Indemnização
a) Nos casos que correm perante os tribunais criminais, deve ser sempre dada às vítimas a oportunidade de deduzir antecipadamente o pedido de indemnização pelo arguido. Sempre que não tenham manifestado a sua vontade, deve sempre apurar-se a sua opinião antes de decidir sobre a indemnização.
b) Antes de se reduzir ou recusar o pedido de indemnização com base na situação económica do autor do crime, deve tomar-se também em conta a situação económica da vítima.
c) Quando for dado ao autor do crime um prazo para proceder ao pagamento, o montante estipulado a título de indemnização deve ser pago à vítima através de fundos públicos, ficando o arguido em dívida perante o Estado; o Estado deve sempre garantir a prestação de assistência na obtenção da indemnização pelo autor do crime.
d) Nas situações de crimes violentos, as vítimas devem ser indemnizadas pelo Estado pelos danos físicos e emocionais sofridos e pelas perdas de rendimentos e meios de subsistência, no mais curto espaço de tempo após a ocorrência do crime, independentemente do facto de o autor do crime ser ou não conhecido.
e) Nos casos de morte, a indemnização - a título de pensão de alimentos para pessoas dependentes, despesas funerárias e danos morais - deve ser paga aos familiares mais próximos da vítima.
Condições Gerais
a) Estes direitos, tal como supra descritos, devem ser publicados e amplamente divulgados em todos os países.
b) Devem ser estabelecidos e divulgados junto das vítimas procedimentos de queixa e de denúncia claros e que lhes permitam obter a reparação dos danos sofridos.
c) Todos os direitos devem aplicar-se indistintamente a quaisquer vítimas de crimes e, se for caso disso, às respectivas famílias, independentemente da idade, sexo, orientação sexual, raça, deficiência, actividade profissional, convicção religiosa ou opinião política.
d) Todas as pessoas que, na sua actividade profissional, contactem com vítimas de crimes, devem receber uma formação específica e actualizada sobre os efeitos do crime e da vitimação secundária. A formação deve incidir, com especial ênfase, sobre o uso de uma linguagem clara e precisa, bem como sobre a necessidade de explicar à vítima a terminologia jurídica empregue e os procedimentos adoptados.
e) Devem ser facultados recursos suficientes tanto às organizações oficiais como às voluntárias, por forma a que possam desempenhar as suas funções.
f) Todos os direitos devem aplicar-se indistintamente a quaisquer cidadãos estrangeiros em trânsito ou residentes na Europa, independentemente do previsto em quaisquer acordos bilaterais celebrados com o seu país de origem.
© 1996 European Forum for Victim Services
Fonte: https://www.apav.pt/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=209&Itemid=91