Violências Nos Animais

 
 

Violências Nos Animais

É comum dizer que quem faz Medicina Veterinária gosta de animais. Na verdade

 aprende-se a gostar menos, ou pelo menos a ser frio perante o sofrimento destes.
Existe lei que defende os animais, o seu bem-estar. Mas na verdade, na área que

 trabalho (controlo sanitário de doenças em ruminantes) verifico que se ela fosse

aplicada, mais de metade das explorações seriam fechadas. E ao mesmo tempo estas

explorações são o “ganha-pão” para muitas pessoas, muitas delas pobres. Pode-se exigir

 dignidade aos animais, quando seus donos não as têm? Numa Cultura Rural ainda presa

 à ignorância do passado? Acabar de vez com um sector produtivo, dos poucos que

 existem no mundo rural, que no presente tantas dificuldades atravessa!...
Eu trabalho a recibo verde numa cooperativa e não posso confrontar ou exigir que se

aplique a lei. Isso significaria ficar sem trabalho. Tento convencer e explicar o porquê.

 Muitas vezes é frustrante, pois é como falar aos peixes.
A violência aplicada aos animais já está bastante explanada. Muitas vezes até de uma forma

 radical, que não concordo. Não é confrontando uma cultura enraizada que se sensibiliza

 as pessoas a mudar a sua relação e comportamentos com os animais. Antes explicar o

 porquê e as vantagens... Por exemplo, no caso de animais para consumo, é bom cuspir

 no prato que se come? Um animal que se sinta bem, desenvolve-se melhor, tem melhor

 saúde, os prejuízos são menores.
Admito que a maioria dos hospitais e clínicas privadas são caras.como também a assistência

médica aos animais. Com o aumentar da pobreza, que está a acontecer, muitas pessoas

não têm dinheiro para as suas necessidades básicas, quanto mais para os seus animais.

 Desde que o Homem desenvolveu cultura que se faz acompanhar de animais,

é a nossa natureza!

O curso de Medicina Veterinária nestes últimos anos aumentou muito a sua frequência,

 em muitas Universidades, levando ao desemprego de Médicos Veterinários. Sendo a

 classe muito competitiva, muitos são excluídos até de praticar por falta de oportunidade.

O que é pena pois a vontade de fazer o melhor possível, podia-se criar uma forma mais

 barata de dar assistência a estes animais, muitas vezes são a única companhia de pessoas

 sós na cidade, até de mendigos. Os recém formados podiam aprender com a prática e

 ganhar até confiança no acto clínico e cirúrgico e assim entrar no mercado de trabalho,

por conta própria. Existe um desperdício de recursos humanos, não só no campo da

Saúde Animal, mas também no campo da Saúde Pública, pois também estão preparados

 academicamente nesta área de conhecimento, especificamente, nas zoonoses

(doenças transmissíveis dos animais ao ser humano).
Infelizmente a Ordem dos Veterinários considera concorrência desleal apoiar pessoas

carenciadas no tratamento dos seus animais. Como pude observar, pois existe um colega

 meu que tem o mesmo nome que eu e a Ordem dos Médicos Veterinários confundiu-me

com este e ia iniciar um processo contra mim. Assim tive conhecimento do que se passava.

 Era uma associação com o apoio de três Médicos Veterinários, que faziam parte de uma

outra  associação com o objectivo de dar assistência clínica a animais de pessoas

carenciadas ou animais abandonados. Outros colegas apresentaram queixa contra estes,

 e a Ordem acedeu e deu seguimento a um processo contra estes colegas. Eu respondi

 à Ordem que apesar de não ser eu quem pensavam ser, eu concordava com esta

associação (não tenho em mente o nome). A defesa da Saúde dos animais faz parte do

código deontológico dos Médicos Veterinários, mas o que impera, infelizmente é o lucro,

 como ocorre na sociedade presente que vivemos.
Eu acredito que uma sociedade com cultura e evoluído o respeito pelos animais surge na

 globalidade desta sociedade, naturalmente. Basta reparar como o respeito pelos animais

está enraizado em países desenvolvidos e a lei pune severamente os transgressores.
Actualmente a situação é grave. Muitas associações têm centenas de animais.

Falta dinheiro.

 Por falta de instalações adequadas, estes estão em péssimas condições sanitárias.

Não existe dinheiro ou vontade para proceder às alterações que são obrigatórias pelos

 Regulamentos da União Europeia, aliás soube recentemente que Portugal tem 2 meses

para transferir a lei comunitária referente a Saúde Animal para a lei nacional.

Animais abandonados também representam um risco para a Saúde Publica devido a

 Zoonoses. Creio que apesar de radical, as autoridades deveriam fazer um programa

voluntário de castração gratuita dos animais. Também as leis são demasiado restritivas aos

 animais. Os espaços públicos são cada vez mais restritos a animais e por exemplo quem

queira ir de férias não tem como deixar os animais, pois o hotéis dos animais são caros.

 Esse pode ser um dos factores que pode levar ao abandono. Existe um crescente na

 sociedade um crescente histerismo em relação aos cães, por órgãos de comunicação

sensacionalistas, que fazem crescer a cultura do medo. Na maioria dos casos de ataques

de cães a pessoas, ocorre porque estes animais foram educados por pessoas inadequadas.
Uma medida que concordo é a obrigação de colocar um chip. Falta responsabilizar

judicialmente quem abandona os animais. Como humanos muito devemos aos cães,

 não existe espécie animal tão próxima e tão leal como um cão.
Em relação aos direitos dos animais de pecuária. O problema é mais complicado,

é cultural! Antes de punir deve-se sensibilizar e apoiar os produtores para melhorarem

 as condições de produção, mais importante, é dar subsídios que funcionem como

 “rendimento mínimo” estes apoios financeiros deveriam ser direccionados para apoio

 de criação de estruturas e condições que melhorem a produção, bem estar animal e até

 a segurança destes e das pessoas que os manipulam.

A falta de cuidados de higiene e prevenção sanitária é um sério problema. Punir sem os

produtores entenderem a razão, não ajuda. E neste aspecto as autoridades como a

Direcção Geral de Veterinária (DGV) e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica

 (ASAE), a meu ver, falham. Por exemplo, na minha rotina tem sido comum os produtores

  queixarem-se de funcionários das entidades publicas referidas, apontarem como grave

transgressão, as teias de aranha, quando, nem sequer existe uma simples manga de

contenção dos animais (uma estrutura que imobiliza os animais), facilitando a manipulação

destes com segurança. Muitas vezes no exercício da minha função vi ser colocado em risco

 a integridade física seja de quem tenta manipular os animais, seja dos próprios animais.

Acredito que a falha que tem ocorrido nos planos de erradicação de doenças animais possa

 em parte estar relacionado pela impossibilidade de executar o rastreio sanitário em animais

 pelo risco sério de integridade que Médicos Veterinários ou assistentes correm. Também

 devo referir que recentemente fui envolvido numa situação desagradável. Um bovino que

 fugiu de uma exploração e mostrava agressividade a pessoas, teve de ser abatido pela

GNR. Eu ao chegar ao local encaminhei -me, usando o meu estatuto de Veterinário

Executor de uma Cooperativa ao Matadouro mais próximo, para,  pelo menos a carcaça,

após devida inspecção sanitária neste estabelecimento, ser utilizada para consumo próprio

 ( 300 kg de carne) e infelizmente, por uma questão burocrática, esta carcaça foi eliminada,

 pois um Director  Regional da Direcção Geral de Veterinária, considerou que antes deveria

ser contactado, sem qualquer citação especifica de lei ou a carcaça apresentasse condições

 impróprias para consumo. Situação semelhante no passado, com colegas meus, tal não

 tinha acontecido. Isto demonstra uma falta de antecipação ao problema, pois não existe

a nível nacional qualquer plano das autoridades policiais, um plano de actuação quanto a

animais que fogem, pelo que tenho conhecimento, quando tal ocorre, são abatidos a tiro,

sem antes tentarem uma alternativa que seria o atordoamento com anestésico e posterior

recolocação no seu recinto, como existe nos Jardins Zoológicos. Mais uma vez esta

decisão de mandar para o lixo 330 kg de carne, implicou o desperdício de trabalho e

 dinheiro ao produtor, por uma decisão meramente burocrática sem um sustento sanitário

sólido, distancia que antagoniza as pessoas das entidades que zelam pela Saúde Animal

e Saúde Pública, levando-as a crer que mais vale passar ao lado das leis do que as cumprir.

O desconhecimento em Portugal da real importância que têm os animais para o ser humano,

 na sua saúde, no seu bem-estar e na sua alimentação, faz com que nesta área estejamos

 muito atrasados aos nossos parceiros europeus e muito falta fazer. Antes de aplicar leis

 e regras, deve-se conhecer a realidade para se saber melhor aplicar -las de uma forma

 eficiente e prática.


Teixeira Fernandes